20 jan

Um Seminário pelo Método do CEPED (Alienação de Controle de Companhia Aberta)

“... muito mais importante do que formar o conhecedor da letra de todos os códigos, é preparar o raciocínio do estudante, adequá-lo ao tratamento jurídico dos fenômenos sociais, fixar princípios através do exame dos casos atuais e da participação ativa do aluno no aprendizado jurídico, habituá-lo a ‘pensar juridicamente’ sobre dados sociais em constante mutação.”
Alfredo Lamy Filho

1. Introdução
O presente artigo expõe a matéria doutrinária e os problemas debatidos em seminário recentemente coordenado pelo autor sob os auspícios do Instituto de Direito de Empresa, fundado por José Luiz Bulhões Pedreira. O seminário teve por objetivo realizar um estudo crítico do artigo 254-A da Lei de Sociedades Anônimas (LSA), utilizando-se do método preconizado pelo Centro de Estudos no Ensino do Direito – CEPED[1], que interpreta a norma jurídica por indução, a partir de casos e problemas concretos, sem prejuízo da exposição e debate das noções fundamentais à análise das questões suscitadas.

Um material de leitura, semelhante ao que segue, foi distribuído com antecedência aos participantes com o objetivo de prepará-los para as discussões que se realizaram durante o seminário.

2. Noções Fundamentais
Um exame simplista da assembleia revelaria uma reunião de acionistas em um recinto da sede social, na qual, relativamente a cada assunto previsto na ordem do dia, após discussão, os presentes votariam, formando assim a vontade social. Por muito tempo, no passado, a doutrina idealizou a sociedade anônima como algo comparável à polis grega, em que os acionistas, tal como os cidadãos de Atenas reunidos na Ágora, debateriam e decidiriam em comum os destinos da coletividade.

Entretanto, não é assim a realidade. Desde logo ressalta uma característica da deliberação da assembleia geral de sociedade anônima, que não permite qualificá-la de democrática: cada acionista terá tantos votos quantas forem as ações[2] que lhe pertencerem, sendo-lhe permitido adquirir tantas ações quantas quiser e puder. Assim, um só acionista, conservando em seu poder mais da metade das ações, terá permanentemente a maioria dos votos na assembleia geral. Então, esse acionista já leva a deliberação pronta para a formalidade de aprovação pela assembleia. Aliás, esse procedimento é de todo justificável, pois, muitas vezes a deliberação requer demorados estudos e reuniões prévios com assessores especialistas bem como harmonização com os planos e políticas já em execução pela companhia. Diferente, portanto das assembleias democráticas, em que o voto é per capita e a decisão, de regra, se forma na própria reunião após debates sobre a matéria. As maiorias e minorias em assembleias democráticas têm geometria variável no tempo, pois se agrupam ao sabor das tendências e opiniões então prevalecentes; nas assembleias gerais de companhias, a maioria é pré-constituída.

Além disso, a observação da coletividade dos acionistas mostra que geralmente a diferença entre a maioria e a minoria não é apenas quantitativa. Há uma diferença qualitativa, que muito contribui para a estabilidade das deliberações: de um lado, o acionista majoritário quer assegurar-se da gestão empresa e, por isso mesmo, se ancora na propriedade de um número de ações, que lhe propicie a preponderância nas deliberações da assembleia; de outro lado, a minoria é formada por investidores sem vocação para dirigir a empresa, procurando apenas rentabilidade e liquidez para o seu investimento, ou por grupos empresariais, interessados em desfrutar sinergias, querendo, para tanto, voz nas decisões, mas sem os ônus e responsabilidades de gerir a empresa.

Feitas essas considerações, percebemos que o núcleo do poder não está na coletividade dos acionistas reunida em assembleia, mas sim no acionista ou grupo de acionistas que, por deter de modo permanente a maioria dos votos, prepondera nas deliberações.

É importante notar que esse acionista ou grupo de acionistas também exerce seu poder fora da assembleia, no dia-a-dia das atividades da empresa, onde comanda e é obedecido porque tem o potencial de, a qualquer tempo, mediante seu voto majoritário na assembleia, substituir os administradores, ou de fazer com que a assembleia avoque a matéria e sobre ela decida da forma que ele determinar com seu voto majoritário.

O poder que acabamos de descrever é designado poder de controle, ou simplesmente controle, e tem como fonte a titularidade de uma quantidade de ações que, votando em bloco, conferem a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral[3]. É interessante observar que o poder de controle confere a seu titular a disposição dos bens da companhia controlada como se proprietário fosse.

Cabe desde logo advertir que o conceito de controle, tal como contemplado neste ensaio, não compreende os chamados controles externos, poderes de comando decorrentes de fontes contratuais, como, por exemplo, usualmente se observa nos negócios de franchising, financiamentos de projetos, etc.. Também não se compreende no conceito de poder de controle, para os efeitos deste estudo, a dominação da companhia pelos administradores (controle gerencial), seja provinda de procurações de acionistas para representá-los nas assembleias (§§ 1°. 2° e 3° do art. 126 da LSA), ou causada pelo absenteísmo dos acionistas, ou por qualquer outra origem.

Enfim, cumpre lembrar que, quem controla uma companhia, comanda uma célula vital da economia moderna. Daí a relevância da disciplina jurídica do controle e especialmente da transferência do poder de controle.

• Bloco de Controle.
Uma pluralidade de ações, pertencente a um acionista ou a um grupo de acionistas, em quantidade suficiente para assegurar a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral, pode ser considerada globalmente e constituir objeto unitário de negócios, uma universalidade de fato, definida pelo artigo 90 do Código Civil. A essa universalidade de fato ou bem coletivo, o mercado atribui valor maior do que o da soma dos valores unitários das ações que o compõem, pois a universalidade tem a utilidade de prover o poder de controle, ausente nas ações enquanto bens singulares. Essa mais valia é o prêmio de controle, que o artigo 254-A procura distribuir entre todos os acionistas com direito a voto, quando realizado em um negócio jurídico oneroso de transferência de um bloco de ações capaz de assegurar o poder de controle a seu titular.

Desse modo, para os efeitos de nosso estudo sobre o artigo 254-A da LSA, o bloco de controle deve ser definido como a pluralidade de ações suscetível de constituir uma universalidade, que confira a seu titular a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia.

O objeto do negócio previsto no artigo 254-A é o bloco de controle; não o poder de controle, pois poder de fato não se aliena, pelo menos no sentido jurídico do termo alienar. Aliena-se o bloco de controle, que é um bem do patrimônio, e o poder de controle vem junto.

• Prêmio de Controle.
Como dissemos, o mercado atribui ao bloco de controle valor maior do que a soma dos valores das ações que o integram. A diferença é designada prêmio de controle, ou, por outra, o prêmio de controle resulta de uma subtração, em que o minuendo é o preço unitário pago pelas ações componentes do bloco de controle e o subtraendo, o valor de mercado destas ações consideradas isoladamente.

A avaliação do prêmio de controle é uma decisão de negócio do investidor, que, de um modo geral, se dispõe a pagá-lo porque confia em que conseguirá agregar mais valor à companhia do que o conseguido pelo controlador existente. Sob esse ângulo, é lícito esperar que a transferência de controle acarrete benefício para os acionistas minoritários e maior produtividade para a economia. Entretanto, não devem ser ignorados casos em que o móvel da aquisição do controle é a subordinação dos interesses da companhia a interesses conflitantes do grupo adquirente.

• Participação dos Minoritários no Prêmio de Controle.
A obrigação de o adquirente do controle realizar oferta pública de aquisição das ações dos minoritários (a seguir OPA) causa o deslocamento, em favor dos minoritários, de uma parcela do investimento que o adquirente se dispõe a aplicar na aquisição do controle. Causa, também, incerteza para o adquirente sobre o valor total da operação, pois não é possível saber de antemão quantas ações terão de ser adquiridas na OPA. Como se verá, o artigo 254-A causa incerteza até mesmo sobre a necessidade de se realizar a oferta.

Posta em tese a questão de quem deverá ter direito ao prêmio, no caso da alienação do bloco de controle, as opiniões divergem. Os autores do anteprojeto que resultou na Lei n. 6404/76 defenderam com cerrada argumentação a tese de que o prêmio é parcela do preço de venda do bloco de controle e pertence naturalmente ao alienante, até porque corresponde ao acréscimo de valor das ações, pelo fato de serem partes integrantes de uma universalidade organizada pelo controlador. A corrente, que acabou predominando com a inclusão do artigo 254 na Lei 6.404/76, sustenta que o prêmio de controle corresponde a um ativo intangível da companhia, realizado quando o controle é transferido; o desdobramento lógico deste entendimento conduziria à conclusão (não adotada pela CVM) de que todos os acionistas, inclusive os sem direito a voto, devem participar do prêmio de controle na proporção em que participam do acervo da companhia. Com o advento do artigo 254-A o fundamento do prêmio passou a ser o tratamento equitativo dos acionistas votantes, ou seja, aos minoritários deve ser concedida a faculdade de se retirarem da sociedade em condições compatíveis com as obtidas pelo controlador ao vender o bloco de controle. A título dessas condições compatíveis, a lei atribuiu às ações do bloco de controle um preço vinte por cento superior ao das ações pertencentes aos minoritários.

• Modalidades de Controle.
Controle majoritário.
É o derivado da titularidade de um bloco de controle formado por mais de 50% das ações. Designa-se também como controle absoluto, porque não depende de votos concordantes de acionistas minoritários nem está sujeito a esvair-se em face da formação de um bloco integrado por uma quantidade maior de ações. A designação “controle absoluto” não é adequada, pois o poder de controle é sempre subordinado a deveres e responsabilidades impostos pela lei (LSA, art. 116, § único).

• Controle minoritário.
É o derivado da titularidade de um bloco de controle formado por uma quantidade inferior a 50% das ações. O controle minoritário pode ser relativamente estável ou volátil.

O controle relativamente estável é passível de ser suplantado por um novo bloco de controle que, reunindo maior quantidade de ações, passa a predominar nas deliberações; contudo, a probabilidade de isso acontecer é remota.

O controle volátil é passível de ser suplantado pela formação, relativamente fácil, de um bloco de controle reunindo maior número de ações. Um maior número de ações, formando um bloco de controle mais forte do que o do controle volátil pode ser reunido (i) pela aquisição de ações por compra ou permuta; (ii) pela fusão ou incorporação de sociedades titulares de ações; (iii) pela subscrição do capital de uma “holding” integralizado mediante a capitalização de ações cujo número suplante a quantidade de ações pertencentes ao controlador; (iv) pela celebração de um acordo de voto entre acionistas titulares em conjunto de um maior número de ações; (v) ou mediante uma OPA nos termos do artigo 257 da LSA.

A conclusão sobre o grau de estabilidade ou volatilidade do controle minoritário depende de uma investigação sobre o comportamento que se pode esperar da minoria nas assembleias gerais a serem futuramente realizadas. O fato de ter sido pago por um bloco de ações, ainda que minoritário, um preço superior ao valor de mercado, constitui indício relevante para se concluir que se trata de um bloco de controle.

O controle minoritário é por vezes designado, incorretamente, “controle de fato”, expressão que não serve para distinguir a espécie, pois todo controle é um poder de fato.

• Controle direto e controle indireto.

Controle direto é o que tem como fonte a titularidade do bloco de controle da companhia controlada (vide artigo 116 da LSA). Controle indireto é o que tem como fonte a titularidade do bloco de controle da sociedade que controla a companhia controlada (vide § 2° do artigo 243 da LSA).

O controle indireto é fenômeno típico dos grupos de sociedades, onde há sempre uma sociedade dominante e, pelo menos, uma sociedade controlada. Nessa estrutura simples, aqui tomada para exemplificar, o acionista controlador da sociedade dominante detém o controle direto da sociedade dominante e o controle indireto da sociedade controlada. Mas, na realidade, muitos grupos de sociedades se organizam em estruturas mais complexas, verticais ou piramidais, em que sob a sociedade dominante, ramificam-se controladas, que, por sua vez, controlam outras sociedades e assim por diante.

É importante observar que a transferência do controle de uma companhia aberta integrante de um grupo pode dar-se sem que nenhuma ação de seu capital social seja transferida. Como o controle indireto resulta de participação societária, o adquirente do bloco de controle da sociedade controladora adquire automaticamente o controle indireto da companhia controlada.

A alienação de controle indireto (impropriamente designada alienação indireta de controle pelo artigo 254-A da LSA) será analisada com maior detalhe em capítulo em separado, porquanto apresenta problemas desafiantes.

• Análise do art. 254-A da LSA.

O objetivo do artigo 254-A é propiciar aos minoritários de companhia aberta, cujo bloco de controle é alienado onerosamente, a faculdade de vender suas ações por preço no mínimo igual a 80% do preço pago por ação do bloco de controle, pelo adquirente.

Para esse efeito, o caput dispõe que a alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob condição suspensiva ou resolutiva de que o adquirente se obrigue a fazer OPA de modo a assegurar aos acionistas minoritários a faculdade de vender suas ações por preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação do bloco de controle. O § 1° esclarece que se entende como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle e outros títulos assemelhados “que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade (sic:)”. O § 2° dispõe que a alienação de controle depende de autorização da CVM.

O título e o caput do artigo 254-A se referem a “alienação de controle”. O termo alienação, em Direito, designa o trespasse de um bem patrimonial de um patrimônio para outro. Por ser um poder de fato, o controle não é um bem patrimonial e não pode ser objeto de alienação; o que se aliena é o bloco de controle. Não obstante sua impropriedade, o termo “alienação de controle” está consagrado pelo uso corrente.

Outra irregularidade semântica incorrida pelo artigo 254-A encontra-se no uso da expressão “alienação, direta ou indireta, do controle”, na qual a qualificação “direta ou indireta” combina com o substantivo feminino “alienação” e não com “controle”. A rigor, alienação indireta do controle é negócio indireto, que pode ter por objeto o controle direto ou o indireto; sua invalidade não precisava ser prevista no texto, pois todo negócio indireto, visando a fraudar disposição de lei, é inválido. A interpretação gramatical conduz à conclusão de que a alienação do controle indireto não está sujeita ao artigo 254-A, apesar de, na alienação do controle indireto os acionistas minoritários sofrerem as mesmas consequências que a lei visa a mitigar na alienação do bloco de controle da companhia aberta.

O § 2° dispõe que depende de autorização da CVM a alienação de controle; por sua vez, o § 1° esclarece que se entende como alienação de controle a transferência do bloco de controle. Então, a alienação de controle se perfaz, não pelo contrato a que se refere o artigo 254-A (que é consensual), mas pela transferência das ações para o nome do adquirente, na forma dos parágrafos do artigo 31 da LSA, que só pode ser efetuada após a autorização da CVM. Isto vale tanto para os casos em que se estipula condição suspensiva, como resolutiva, pois o que o texto subordina a condição é a obrigação de realizar a OPA.

Acresce que, se a lei visou a atingir a alienação de controle indireto, lançou mão de um mecanismo falho, restringindo inutilmente a liberdade de contratar, ao dispor que a alienação de controle só poderá ser contratada mediante condição de que o adquirente se obrigue a realizar a OPA. Muitas companhias abertas brasileiras são controladas por sociedades sediadas em outro país. Como determinar que só se poderá contratar sob condição de obrigar-se a realizar OPA, se o contrato não se sujeita à lei brasileira e o seu objeto se realiza no exterior?

A lei não oferece critério ou orientação para resolver o problema insolúvel de fixar o preço a ser oferecido aos minoritários da companhia aberta, quando esta é uma das várias controladas da sociedade dominante, cujo bloco de controle foi transferido, o que requer a alocação de uma parcela do prêmio de controle à controlada brasileira.

Nenhuma pista se oferece para a hipótese de a sociedade controladora também ser uma companhia aberta. Como proceder quando é transferido com prêmio o bloco de controle da sociedade dominante? Realizar duas OPAs, uma aos acionistas da controladora e outra aos da controlada? Qual o preço a ser oferecido em cada uma?

Vê-se que o artigo 254-A carece de fortes doses de interpretação construtiva para se revestir de alguma coerência e ter resolvidos os enigmas que carrega. E o pior é que a interpretação construtiva tem de palmilhar território onde não se vota muito apreço à lógica e à qualidade da redação.

• Transferência de controle em Direito Comparado.
Nos países da Comunidade Europeia.

A Diretiva Comunitária 2004/25/CE estabelece que as legislações dos países membros devem estabelecer que um acionista ou um grupo de acionistas, que, após uma ou várias aquisições, tornar-se titular de ações com direito a voto, em montante superior a um piso determinado em cada lei nacional, deverá formular uma OPA por um preço não inferior ao maior preço que pagou nas aquisições das ações da companhia. Os pisos determinados pelas leis nacionais variam em torno de 30% do capital com direito a voto (30% na Itália, 33% na França, 40% na Suécia).

O sistema apresenta as vantagens da simplicidade e da segurança jurídica, tão afastadas do nosso artigo 254-A, e a desvantagem de dificultar a migração do controle, se o piso estabelecido não corresponder ao nível médio de participação dos acionistas controladores no mercado considerado.

• Nos Estados Unidos.
Em princípio, o prêmio de controle é considerado parte integrante do preço do bloco de controle, pertencendo, portanto, ao vendedor. Em alguns Estados, admite-se que os acionistas minoritários, através de uma ação de classe, a posteriori, pleiteiem a condenação do vendedor a repassar aos minoritários a parcela pertinente do prêmio de controle, caso o alienante falte com seus deveres fiduciários, apropriando-se de uma oportunidade de negócio que deveria beneficiar a todos; caso haja indícios de que o exercício do controle pelo adquirente causará prejuízos aos minoritários; ou se ficar demonstrado que a transferência do controle prejudicou outros interesses legítimos dos minoritários.

O grande atrativo desse sistema é propiciar a solução de cada caso e de fazer com que a participação no prêmio de controle, se houver, seja ônus do alienante e não do adquirente.

3. Problemas[4]

3.1. Com a morte de Manoel, a viúva, Maria, herdou todas as ações do bloco de controle da Companhia, mas o controle passou a ser exercido por Joaquim, sócio de Manoel, a quem pertencem ações representativas de 25% do capital com direito a voto. Com o objetivo de integrar a Companhia ao seu grupo, Holding adquiriu todas as ações pertencentes a Maria, substituiu os administradores eleitos por Manoel e passou a orientar os negócios da Companhia. Pagou pelas ações de Maria um preço correspondente a uma vez e meia a cotação do mercado. A Holding consulta se está obrigada a fazer uma OPA. Joaquim consulta se, caso a OPA seja exigida, suas ações estarão abrangidas.

Temas: (i) Resolver o problema aplicando interpretação gramatical, teleológica e sistemática do artigo 254-A. (ii) Pode-se concluir que Maria era titular do bloco de controle? (iii) O fundamento do direito a participar do prêmio, se existente no caso, é o mesmo para Joaquim e os demais acionistas? (iv) Se Joaquim – e não Maria – tivesse alienado suas ações, por preço correspondente a uma vez e meia a cotação do mercado, seria necessária a realização de OPA? (v) Em caso de resposta positiva à pergunta anterior, teria Maria direito a participar do prêmio? (vi) discutir a solução do caso por equidade.

3.2. O capital da Companhia é composto de 1.000.000 de ações ordinárias, das quais Tício e Caio, cada um, era titular de 150.000 ações e o restante estava disperso no mercado. Tício e Caio, votando em conjunto, obtiveram a maioria dos votos nas assembleias gerais realizadas de 1998 a 2006. Em 2007, um grupo de acionistas (“Grupo”), reunindo 200.000 votos, fez-se representar no Conselho de Administração e no Conselho Fiscal. Na assembleia de 2008, os herdeiros de Caio, que falecera, não compareceram, e Tício, com 150.000 votos foi suplantado pelo Grupo, que assim assumiu o controle. Em 2009, Ticio e Caio Jr., que herdara de Caio 50.000 ações, firmaram um acordo de voto e, com o concurso eventual dos votos de Tertius, titular de 10.000 ações, conquistaram a maioria na assembleia daquele ano. Sucedeu-se uma luta pelo controle, procurando, cada lado, cooptar Tertius. Em 2010, Tertius comprou as ações de Tício e Caio Jr. por preço 25% superior à cotação média das ações. Tertius está obrigada a fazer a OPA?

Temas: (i) Para que se configure a situação prevista no artigo 254-A é necessário que o vendedor se enquadre na definição dos artigos. 116 ou 243 da LSA?(ii) Ticio e Caio Jr. formaram um grupo de controle?(iii) Suas ações constituíram em conjunto um bloco de controle?(iv) Tertius tem de fazer uma OPA por ter adquirido as ações de Tício e Caio? (v) Se o Grupo tivesse alienado suas ações logo após a assembleia de 2008, por preço duas vezes superior ao da cotação das ações, seria necessária a realização de OPA?

3.3. Tício exerce o controle da Companhia, sendo titular de um bloco de ações correspondente a 30% do capital com direito a voto. Caio, que já era titular de ações representando 10% comprou de Tício ações representativas de 20%, por preço correspondente ao dobro da cotação do mercado, com o que passou a exercer o controle. Está obrigado a realizar OPA?

Temas: (i) Transferência de controle minoritário. (ii) Aquisição de ações, que integravam um bloco de controle para, somadas às ações do adquirente, formar um novo bloco de controle. (iii) O fato de haver sido pago um prêmio substancial é relevante para se concluir que a OPA é exigível? (iv) Se, ao invés de 20% do capital com direito a voto, Caio tivesse adquirido de Tício apenas 10% e, paralelamente, tivesse firmado com Tício acordo de acionistas para que ambos passassem a, em conjunto, exercer o controle, seria necessária a realização de OPA? (iv) Quais os critérios para identificar controle minoritário?

3.4. A companhia A, que utiliza chapas de aço como produto semiacabado em sua indústria, diante da escassez de chapas de aço no mercado, provocada por crise internacional, e visando a garantir suprimento para suas operações, adquire o bloco de controle da Companhia B, produtora de chapas de aço, pagando elevado prêmio pelo bloco de controle.

Temas: Supondo que o artigo 254-A esteja revogado, solucionar as seguintes questões: (i) O prêmio de controle é parte do preço das ações e pertence por inteiro ao vendedor ou corresponde à realização de um ativo intangível do patrimônio social? (ii) Se estiver certa esta última alternativa, o prêmio deve ser distribuído aos acionistas, se a companhia tem prejuízos acumulados? (iv) Sendo distribuído aos acionistas é certo excluir os titulares das ações preferenciais? (v) No cálculo da participação das ações preferenciais devem ser observadas suas prioridades? Deve-se exigir a OPA por uma questão de isonomia entre o controlador e os minoritários?

3.5. Tício é um executivo de talento e experiência que, após trabalhar dez anos como diretor geral de uma empresa, resolveu estabelecer-se por conta própria. Fundou a Companhia, empreendeu um plano de negócios bem sucedido e, atingindo a Companhia uma posição importante no mercado de seus produtos, aumentou o capital e lançou as ações assim emitidas mediante uma IPO exitosa. Nos anos seguintes, contando com os recursos captados no aumento de capital, elaborou e iniciou a execução de um segundo plano de negócios que ainda mais fortaleceu a Companhia. Vendeu, então, o bloco de controle para um fundo de investimentos, por um preço muito superior à cotação média no mercado. O comprador aceitou pagar o elevado preço porque verificou, após estudos, que o prosseguimento da execução do segundo plano de negócios era capaz de produzir um acréscimo de valor à Companhia muito superior ao que seria razoável esperar caso o investimento na compra das ações fosse aplicado em outros negócios disponíveis. Para garantir o prosseguimento do plano de negócios, contratou o próprio Ticio para dirigir a sua execução e Ticio se comprometeu a permanecer no cargo por pelo menos cinco anos.

Temas: (i) Comparar este caso com o do problema anterior. (ii) Sem considerar o disposto no artigo 254-A, é justo obrigar Ticio a repartir o prêmio de controle com os demais acionistas? As conclusões sobre o caso exposto neste problema seriam as mesmas se Ticio tivesse resolvido aposentar-se após vender o controle?

3.6. Considere a seguinte situação: o controle acionário de uma Companhia foi transferido de acordo com um contrato de compra e venda de bloco do controle com a condição resolutiva prevista no artigo 254-A, sendo as ações transferidas ao adquirente contra o pagamento do preço, no ato da assinatura do contrato. O contrato é omisso quanto ao prazo para a realização da OPA. Diante da inação do adquirente, um acionista minoritário o notifica para realizar a OPA no prazo de 30 dias. O adquirente mantém-se inerte. Também o alienante nenhuma providência adota.

Temas: (i) Coloque-se na posição do advogado de um acionista minoritário e o aconselhe sobre as medidas a tomar, inclusive em juízo e perante a CVM, para obter que suas ações sejam adquiridas por preço não inferior a 80% do preço pago pelo adquirente. (ii) Cabe pleitear a invalidade da transferência do bloco de controle?(iii) Cabe a suspensão do direito de voto das ações transferidas? (iv) Cabe ação cominatória para imposição de multa diária enquanto não for aprovada a proposta de OPA pela CVM?

3.7. A Società, com sede em Roma, controla um grupo de companhias sediadas em diversos países, dentre as quais uma companhia aberta brasileira. A Società, por sua vez era controlada por um fundo de investimentos, que, mediante um contrato de compra e venda de ações, firmado na França sob a lei francesa, vendeu as ações do bloco de controle da Società para a Industrielle, com sede em Bordeaux, por preço substancialmente superior à cotação média das ações nos mercados da União Europeia. A Industrielle informa que realizou uma de OPA de aquisição das ações da Società pertencentes aos minoritários, de acordo com a lei italiana. Pergunta se está obrigada a fazer uma OPA das ações dos minoritários da companhia brasileira e declara que, nos estudos, que realizou para decidir sobre a proposta de compra do bloco de controle, a companhia brasileira foi avaliada por uma quantia que resultaria em um preço por ação correspondente à cotação média na Bovespa, nos últimos seis meses.

Temas: (i) O artigo 254-A aplica-se à alienação de controle indireto? (ii) Mesmo quando a alienação do controle indireto tenha sido contratada e consumada no exterior? (iii) Qual o critério para alocar uma parcela do prêmio de controle à controlada brasileira para fins de precificar a OPA? (iv) Com que fundamento a CVM poderá exigir a realização de uma OPA das ações da companhia brasileira, apesar de não ter havido transferência das ações do bloco de controle da companhia brasileira?

3.8. Em caso idêntico ao exposto no problema 3.7 supra, exceto quanto ao modo de aquisição do bloco de controle, que foi originário, mediante uma oferta hostil realizada no mercado europeu.

Temas: Deve-se exigir que o adquirente faça uma OPA das ações dos minoritários da companhia aberta brasileira, cujo controle indireto foi transferido? Suponha um outro caso em que o bloco de controle da companhia dominante, domiciliada no Brasil, foi adquirido através de uma oferta na forma do artigo 257 da LSA; exigir-se-á do adquirente uma OPA das ações da controlada?

3.9. O capital da Companhia é dividido em 100 milhões de ações, das quais, até 30 de junho de 2005, 30 milhões pertenciam ao Acionista A (que controlava a sociedade), 21 milhões ao Acionista B, e os restantes 49 milhões de ações estavam dispersas no mercado. Em 30/06/2005, A vendeu 4 milhões de ações a B e outorgou uma opção a B para, em 30/06/2010, comprar mais 4 milhões de ações de A. Em acordo de acionistas as partes se obrigaram a sempre votar de modo uniforme de acordo com o decidido entre elas em reunião prévia à assembleia, prevalecendo, em caso de discordância, a decisão da parte que fosse titular do maior número de ações, garantindo-se à parte em minoria a faculdade de indicar um membro do Conselho de Administração e um membro de cada comitê que fosse criado para assessorar o Conselho de Administração.

Tema: Aproximando-se o vencimento da opção, B quer decidir se a exerce ou não, tendo em vista que o preço nela previsto é substancialmente superior à cotação do mercado e que, se a exercer, B passará a ser o membro majoritário do grupo controlador. B terá de fazer OPA?

3.10. A consulente adquiriu o bloco de controle de uma companhia aberta, pagando um preço por ação 5% superior à cotação média.

Tema: Terá de fazer a OPA? Considerar que as ações apresentam bons índices de liquidez no mercado.

Sugestões de lege ferenda
Seguem temas para as discussões finais:

O que é melhor para a economia nacional? Que o controle das companhias abertas tenha sua estabilidade protegida por normas cogentes ou que se deixe que as leis do mercado atuem livremente, na suposição de que causam a substituição dos controladores menos eficientes?

A lei deve interferir no negócio de alienação de controle de companhia aberta com o fim de garantir que os acionistas minoritários também possam alienar suas ações em condições equitativas?

O artigo 254-A causa insegurança jurídica aos potenciais adquirentes de controle? Identificar e analisar os pontos em que a insegurança jurídica se manifesta.

Sopesar as vantagens e desvantagens do sistema europeu em face do sistema brasileiro.

Avaliar o sistema americano e opinar sobre a conveniência de substituir o art. 254-A por uma ação de classe para, se for o caso, condenar a posteriori o acionista controlador/vendedor a partilhar com os minoritários o prêmio de controle. Como o texto legal deverá definir as hipóteses de condenação

Leituras Recomendadas
Sobre os conceitos, que são expostos na primeira parte, recomenda-se a leitura do livro Direito das Companhias, coordenado por Lamy e Bulhões Pedreira, (Ed. Forense, Rio, 2009), especialmente os §§ 235, 236, 237, 238, 242, 477, 480, 496, 498 e 499.

A discussão dos problemas suscitados na segunda parte será muito enriquecida pela releitura pareceres de Lamy e de Bulhões Pedreira a pags. 691 a 764 do livro de autoria de ambos A Lei das S/A. (Ed. Renovar, Rio, 1992) e da obra clássica O Poder de Controle da Sociedade Anônima, de Fábio Konder Comparato, atualizada e comentada por Calixto Salomão Filho, ed. Rorense, Rio, 2005. Dois livros recentemente publicados, o de Paulo Eduardo Penna (Alienação de Controle de Companhia Aberta, Ed. Quartier Latin, 2012) e o de Eduardo Sechi Munhoz (Aquisição de Controle na Sociedade Anônima, ed. Saraiva, São Paulo, 2013), merecem especial indicação, o primeiro por apresentar inteligentemente um quadro completo do tema e o segundo por reunir análises preciosas atentas ao mercado. Por fim, convém também ler o livro de Frank Easterbrook e Daniel Fischel, The Economic Structure of Corporate Law, Harvard University Press, Cambridge, 1996 (especialmente páginas 112 a 131).

[1] O CEPED – Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito, órgão da Universidade do Estado da Guanabara (hoje UERJ) dirigido pelo Professor Caio Tácito, promoveu uma experiência inovadora no ensino do Direito, sob a orientação do Professor Alfredo Lamy Filho, ao realizar cursos e seminários sobre aspectos jurídicos da grande empresa, nos anos de 1967 a 1972. Vide Aventura e Legado no Ensino Jurídico, obra coletiva org. LACERDA, Gabriel, FALCÃO, Joaquim e RANGEL, Tânia – ed. FGV Direito, Rio, 2002.

[2] A bem da brevidade, quando aludimos a “ação” simplesmente, estamo-nos referindo a ação com direito a voto, a valor mobiliário conversível em ação por ato unilateral e incondicionado de seu titular (§ 1° do art. 254-A da LSA e aos “direitos de sócio” referidos na alínea “a” do artigo 116 da LSA.

[3] O que corresponde a mais de 50% da soma dos votos a favor e contra a deliberação, não se computando os votos que caberiam aos acionistas ausentes e aos que se abstiveram.

[4] Os temas propostos ao fim de cada problema não pretendem exaurir os pontos a serem discutidos no seminário: pretendem apenas iniciar os debates, sem prejuízo do exame de outros temas suscitados pelos participantes.

(Publicado em Temas de Direito Empresarial e outros estudos em homenagem ao Professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães - obra coletiva coord. Erasmo Valladão e NOVAES FRANÇA e Marcelo Viera VON ADAMEK, ed. Malheiros, SP, 2014)