20 jan

O Contrato de Promessa de Compra e Venda

 

1. Conceito de contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel e distinção de figuras afins.
A promessa de compra e venda de bem imóvel perfaz-se mediante um contrato preliminar[1], disciplinado pelos artigos 462 a 465 do Código Civil, no qual as partes se obrigam a celebrar um contrato de compra e venda consoante cláusulas desde logo pactuadas, uma vez implementados os termos e condições da promessa. Esse contrato tem a particularidade de poder consistir em título hábil a constituir um direito real à aquisição do imóvel, se registrado no Cartório do Registro de Imóveis, caso em que é regido também, em especial, pelos artigos 1417 e 1418 do Código Civil. Para esse efeito, deve atender cumulativamente a dois requisitos: ser celebrado em forma escrita (instrumento público ou particular) e não conter cláusula de arrependimento[2].[3]

O contrato em exame é bilateral; daí sua denominação referir-se à compra e à venda, sendo impróprio designá-lo promessa de venda, como abreviadamente é por vezes denominado na prática. Promessa de venda é designação apropriada a outro contrato preliminar, unilateral, regido pelo artigo 466 do Código Civil, que só vincula a parte promitente vendedora, conferindo-se à outra parte (a promissária) o direito potestativo de celebrar o contrato principal.

Do contrato unilateral de promessa de venda deve distinguir-se, também, a proposta de contratar a venda de um imóvel, que não é contrato, mas ato do processo de formação de um contrato, nos termos dos artigos 427 e seguintes do Código Civil.

Ao contrato de promessa de venda e, obviamente, à proposta de contratar a venda de imóvel não se aplicam os artigos 1417 e 1418 do Código Civil, razão pela qual não são hábeis para constituir direito real à aquisição do imóvel.

A exposição abaixo discorre sobre a natureza e os efeitos do direito real à aquisição do imóvel e mostra que a promessa de compra e venda de bem imóvel, regida pelos artigos 1417 e 1418 do Código Civil[4], constitui figura específica que, por sua relevância para o mercado imobiliário, merece análise especial.

Adjudicação Compulsória
Como todo contrato preliminar, o contrato de promessa de compra e venda de imóvel é regido pelos artigos 462 a 465 do Código Civil, podendo enquadrar-se, caso atenda a determinados requisitos, nos artigos 1.417 e 1.418 do mesmo diploma legal. Confere a cada uma das partes um direito de crédito, exigível da outra, cujo objeto é a celebração do contrato definitivo de venda.

São requisitos do contrato preliminar: (I) conter os elementos essenciais do contrato definitivo, exceto quanto a forma e (II) não se ter pactuado direito de arrependimento[5]. Se o contrato de compra e venda de bem imóvel, além dos requisitos gerais citados, (III) observa a forma escrita – escritura pública ou particular e (IV) é registrado no Cartório do Registro de Imóveis, o promitente comprador é investido de um direito real à aquisição do imóvel prometido.

No que se refere à execução forçada da obrigação de o promitente vendedor celebrar a escritura definitiva de venda, o contrato que atende aos quatro requisitos acima enunciados difere daquele que só observa os dois primeiros.

O atendimento apenas dos dois primeiros quesitos pelo contrato habilita o promitente comprador, no caso de inadimplência do promitente vendedor, a obter o suprimento judicial da manifestação de vontade faltante, por meio da sentença prevista no artigo 466-B do Código de Processo Civil. Essa sentença produz efeito equivalente à escritura definitiva de compra e venda não celebrada, constituindo título aquisitivo da propriedade, registrável no Cartório do Registro de Imóveis[6].

Em relação aos contratos de promessa de compra e venda de imóveis, que atendem a todos os quatro requisitos acima citados, o regime especial dos artigos 1.417 e 1418 do Código Civil se sobrepõe à disciplina geral dos contratos preliminares. O direito do promitente comprador à aquisição do imóvel prometido passa a ter a natureza de direito real, como dispõe o artigo 1.417; e a medida judicial, substitutiva da escritura definitiva não celebrada, é a adjudicação compulsória referida no artigo 1.418.

Qual a diferença entre a sentença do artigo 466-B do Código de Processo Civil e a adjudicação compulsória? A solução dessa questão requer o exame do artigo 1218 do Código de Processo Civil vigente, que mantém em vigor determinados procedimentos regulados pelo Código de Processo Civil anterior, até serem incorporados nas leis especiais pertinentes. Dentre os procedimentos assim mantidos, ressalta o do artigo 346 do Código de Processo Civil de 1939, que estabelece um procedimento sumário para remediar a recusa do promitente vendedor de celebrar a escritura definitiva. A Lei 6.014 de 27.12.1973, publicada poucos meses após a publicação do Código de Processo Civil vigente, cuja ementa expressa o objetivo de adaptar ao novo código de Processo Civil as leis que menciona, deu nova redação aos artigos 16 e 22 do Decreto-lei n° 58/1937, mantendo o procedimento sumário de adjudicação compulsória, previsto no mencionado decreto-lei. Este procedimento sumário inicia-se com a intimação do promitente vendedor para outorgar a escritura definitiva no prazo de 5 dias; se dentro desse prazo o promitente vendedor nada alegar, o juiz adjudicará o imóvel ao promitente comprador, “mandando que se expeça a carta de adjudicação”, que vale como título de propriedade apto a ser registrado no Cartório do Registro de Imóveis. Os desdobramentos do procedimento sumário se regem pelos artigos 275 a 281 do Código de Processo Civil vigente, eis que se aplicam a todos os casos previstos em lei, segundo preceitua o inciso II, g, do artigo 275 do Código.

Cumpre assinalar que não há diferença entre o efeito da sentença de adjudicação e o da sentença prevista no artigo 466-B do Código de Processo Civil[7]. A diferença entre o caso do promitente comprador titular de direito real de aquisição e o do promitente comprador não beneficiado por esse direito está apenas no procedimento a ser adotado para o cumprimento forçado da promessa, que é sumário para o primeiro e ordinário para o segundo[8].

Direito Real à Aquisição do Imóvel
O direito real à aquisição do imóvel previsto no artigo 1.417 do Código Civil provém de disposição que já se encontrava nos artigos 5° e 22 Decreto-Lei n° 58/37[9]. O inciso VII do artigo 1.225 do Código Civil inclui esse direito no elenco dos direitos reais, sob a denominação de direito do promitente comprador do imóvel.

Trata-se de um direito real sui generis, pois corresponde a um direito de crédito, ou seja, o direito de exigir do promitente vendedor a celebração da escritura definitiva: diríamos que estamos diante de um direito pessoal, que se tornou direito real por se revestir da armadura própria dos direitos reais.

Em torno da propriedade, que compreende os poderes de usar, fruir e dispor, gravitam os demais direitos reais. Acionados por negócios jurídicos, abandonam suas órbitas e pousam no domínio, para retirar-lhe um fragmento e transferi-lo a outrem ou para acoplar-se ao poder de disposição, limitando-o, em garantia de direito de outrem. Por exemplo: o uso retira do domínio o poder de usar e o transfere ao usuário; a enfiteuse retirava do domínio um fragmento correspondente à sua quase totalidade e a transferia ao enfiteuta; o penhor, a anticrese e a hipoteca acoplam-se ao poder de disposição, limitando-o até que a obrigação garantida seja cumprida.

O direito do promitente comprador, objeto de nosso estudo, acopla-se ao poder de disposição do promitente vendedor, limitando-o enquanto não cumprida, por este, a obrigação de celebrar a escritura definitiva.

Sendo direito real, o direito à aquisição do imóvel liga a pessoa do promitente comprador diretamente ao imóvel prometido, sem necessariamente passar pela pessoa do promitente vendedor, como ocorreria se fosse direito de crédito. Restringe o poder de disposição ínsito no seu domínio sobre o imóvel, limitando-o ao poder-dever de celebrar a escritura definitiva do imóvel com o promitente comprador, nos termos do contrato de promessa. Assim, o promitente comprador, titular do direito real à aquisição do imóvel, pode fazê-lo valer contra o promitente vendedor ou contra qualquer terceiro que pretenda ter direitos sobre a coisa prometida, ainda que a pretensão derive de negócio contratado com o proprietário promitente vendedor.

Cabe ressaltar que o efeito perante terceiro não resulta apenas da publicidade do registro, que lhe impede a alegação de boa-fé por desconhecimento da promessa; trata-se do efeito erga omnes do direito real do promitente comprador, que tem a sequela como consequência lógica. Esse direito real retira da esfera jurídica do promitente vendedor um fragmento do domínio, ou, mais precisamente, do poder de disposição sobre o imóvel prometido, razão pela qual eventuais negócios conflitantes, efetuados pelo promitente vendedor com o imóvel prometido, são equiparáveis a negócios a non domino, inválidos mesmo que pactuados em boa fé. Pela mesma razão, pode o promitente vendedor transferir a terceiro a sua posição jurídica no contrato de promessa, mas não tem poderes para transmitir o imóvel.

O direito do promitente comprador do imóvel classifica-se como um direito real sobre coisa alheia (do promitente comprador sobre o imóvel, que ainda se encontra na propriedade do promitente vendedor), da subespécie direito real de garantia (pois garante a aquisição do imóvel, que é objeto do direito de crédito criado pelo contrato de promessa).

Elasticidade do Domínio
A incidência dos direitos reais sobre coisa alheia configura o fenômeno conhecido como elasticidade do domínio.

Com efeito, o domínio encolhe quando nele se imiscui um direito real sobre coisa alheia e volta à sua inteireza quando esse direito real se extingue. Por exemplo: instituído um usufruto sobre uma coisa, o respectivo domínio tem retirados de seu âmbito os poderes de uso e fruição, restando ao proprietário tão somente a disposição da coisa, que continua gravada pelo usufruto. Extinto o usufruto, os poderes de uso e fruição retornam ao domínio completando-o. O mesmo, mutatis mutandis, ocorre com a hipoteca, em que o poder de dispor é diminuído pelo bloqueio ao seu exercício, sendo restaurado com a extinção do gravame.

O exame desses dois exemplos mostra que o domínio encolhe de duas maneiras, quando sofre o impacto de direitos reais sobre coisa alheia: no usufruto, se fragmenta; na hipoteca se lhe pespega um fator redutor. Este segundo modo de diminuição ocorre no caso da promessa de compra e venda de imóvel, em que o fator redutor quase que anula por completo o poder de disposição do promitente vendedor.

O domínio do promitente vendedor encolhe ao ter o seu poder de disposição severamente limitado (quase anulado) pelo direito real à aquisição do imóvel, que só permite ao promitente vendedor o poder-dever de alienar o imóvel ao promitente comprador, nos termos da promessa. O bloqueio do poder de disposição, por ser efeito de um direito real, segue a coisa, a qual se afigura como se tivesse sido amputada, e a continua onerando ainda que transferida a terceiro. Rescindida a promessa, restaura-se o domínio em sua plenitude. Obviamente, com o cumprimento da promessa, no próprio ato da transmissão do imóvel, o domínio se recompõe já na titularidade do promitente comprador.

Posse do Promitente Comprador
O contrato de promessa de compra e venda de bem imóvel, em si, não transmite a posse embora, muito frequentemente, a transmissão da posse seja consumada no ato da celebração da escritura de promessa, mediante a chamada cláusula constituti.[10] Essa disposição consubstancia o constituto possessório, um negócio jurídico autônomo mediante o qual, por ato de vontade das partes, se transfere a posse.

O constituto possessório era expressamente contemplado no artigo 494 do Código Civil de 1916 dentre os modos de aquisição da posse[11]. O Código Civil vigente não lhe faz alusão, porquanto o seu artigo 1.205 enuncia os modos de aquisição da posse sob outro ângulo. Não obstante, é evidente que a posse pode ser transmitida por mútuo acordo refletido em cláusula da escritura de promessa ou em outro instrumento separado, ou mesmo pelo consentimento tácito. A transmissão da posse do imóvel não é condição para que o contrato de promessa de compra e venda constitua direito real à aquisição do imóvel.[12]

Voltando os olhos para o item anterior, é interessante observar que, quando o instrumento de promessa é registrado no Cartório do Registro de Imóveis e contém a cláusula constituti, o domínio do promitente vendedor praticamente se esvai, pois só lhe resta um resquício do poder de dispor: o poder-dever de outorgar a escritura definitiva nos termos da promessa. Neste caso, a posição do promitente comprador muito se assemelha à do titular do domínio útil de imóvel objeto de enfiteuse. Quanto ao promitente vendedor, sobra-lhe apenas uma “recordação da propriedade”, como disse Barbosa Lima Sobrinho em trabalho pioneiro sobre o tema.

Cessão das Posições Contratuais
A incidência do direito real à aquisição do imóvel não impede a transmissão do imóvel, embora a torne de difícil viabilidade. Com efeito, o promitente vendedor pode ceder a terceiro o restante fragmento do domínio, que não é retirado pelo direito real de aquisição, juntamente com o direito de crédito relativo às prestações do preço não pagas; ou seja, o imóvel é transmitido juntamente com a posição jurídica do promitente vendedor no contrato de promessa. Não é por outro motivo que o artigo 1418 do Código Civil dispõe que o promitente comprador, titular de direito real de aquisição, pode exigir a outorga da escritura definitiva de terceiro a quem o promitente vendedor tenha cedido seus direitos.

O promitente comprador pode ceder sua posição no contrato, independente da anuência do promitente vendedor, salvo convenção em contrário.

É indispensável a escritura pública para a cessão da posição contratual do promitente vendedor, pois, como se viu acima, esse negócio importa na transmissão da propriedade do imóvel prometido, embora com o domínio restringido pelo efeito do direito real do promitente comprador. Cabe, entretanto, questionar se a escritura pública é também exigida para a cessão da posição do promitente comprador, pois o artigo 1.417 do Código Civil admite o instrumento particular para o contrato de promessa de compra e venda. A dúvida se justifica porque o art. 108 do Código Civil determina que, salvo disposição legal em contrário, a escritura pública é essencial aos negócios que visem à transferência de direitos reais sobre imóveis. Portanto, a disposição do artigo 1417 seria uma exceção aplicável apenas ao contrato de promessa de compra e venda. Temos dúvida em aceitar essa conclusão, que se baseia no brocardo de que as exceções se interpretam restritivamente. A nosso ver, o entendimento que exige escritura pública para a cessão de um contrato celebrado por instrumento particular é carente de substância lógica. A hipótese merece interpretação lógica, coerente com o regime especial dedicado pela lei ao instituto da promessa de compra e venda de imóveis.

Função socioeconômica da promessa de compra e venda de imóvel.
Dispunha o Código Civil de 1916 no artigo 1088 que, nos casos em que o instrumento público era exigido, qualquer das partes podia arrepender-se antes de celebrar a escritura. A consequência do arrependimento era a obrigação de indenizar as perdas e danos da parte prejudicada ou a devolução das arras em dobro, se fosse o caso. Com o intenso processo de urbanização experimentado pelo Brasil a partir da década de 1930, multiplicaram-se os loteamentos de terrenos nas periferias das cidades e, anos depois, as incorporações imobiliárias por toda a urbe. Lotes e apartamentos passaram a ser oferecidos à venda para pagamento em prestações, a longo prazo, tornando-se acessíveis às camadas menos favorecidas da população. A intensidade crescente da demanda (provocada pelo próprio fenômeno da urbanização) fez com que os valores de mercado dos lotes e, mais tarde, dos apartamentos experimentassem alterações substanciais enquanto decorriam os prazos de pagamento das respectivas prestações. Frequentemente essa valorização era tal que o promitente vendedor não resistia à tentação de se arrepender antes de assinar a escritura de venda, mesmo que tivesse de indenizar o promitente comprador, pois o preço de venda do imóvel a terceiro seria sensivelmente maior do que a indenização. Muitas vezes o arrependimento se dava quando o promitente comprador já havia tomado posse do imóvel e nele estabelecido sua residência.

O Decreto-lei n° 58, de 10 de dezembro de 1937 veio coibir essa prática através, basicamente, de duas medidas em benefício do promitente comprador de imóveis loteados: propiciou-lhe o direito real à aquisição do imóvel, e municiou-o com a adjudicação compulsória[13]. Em 1949, a Lei n° 649 estendeu às promessas de compra e venda de imóveis não loteados as disposições referentes ao direito real à aquisição e à adjudicação compulsória. Mas é preciso assinalar que a introdução no Direito Brasileiro da promessa de compra e venda irretratável e irrevogável não teve apenas o efeito de proteger os promitentes compradores contra os abusos dos promitentes vendedores. Possibilitou o financiamento do preço em um grande número de prestações mensais, tornando a aquisição de casa própria acessível à classe média baixa e aos menos afortunados.

Constituiu o ponto de partida do desenvolvimento do mercado imobiliário no Brasil, e até hoje é o principal motor da circulação dos imóveis e do crédito imobiliário.

Forneceu aos credores/promitentes vendedores uma garantia robusta, incentivando o crédito e facilitando as operações. A perspectiva da recuperação do imóvel no caso de inadimplência anima os promitentes vendedores a transferirem a posse do imóvel aos promitentes compradores antes da quitação do preço.

A promessa de compra e venda mostrou-se um instrumento de proteção ao crédito imobiliário muito mais ágil e efetivo do que a garantia hipotecária. Assim, o mercado experimentou a proliferação de créditos de qualidade, bem lastreados em ativos robustos e acessíveis. Os imóveis urbanos passaram a ser transferíveis com agilidade, e passaram a circular quase que como as mercadorias, notando-se fieiras de cessões e promessas de cessão sucedendo-se sobre o mesmo imóvel. Também a circulação dos créditos imobiliários, destacados das operações que lhes deram origem, aumentou visivelmente através de descontos e redescontos das prestações, com o que os bancos ingressaram no mercado. O incremento do crédito tornou possível a realização de grandes investimentos em incorporações bem como de outros projetos imobiliários de grande porte administrados em termos de grandes empresas. A indústria de construção civil acompanhou esse desenvolvimento e se tornou capaz de realizar grandes projetos de construção, utilizando tecnologias sofisticadas e técnicas administrativas inovadoras. O mesmo ocorreu com as atividades de comercialização de imóveis, que incorporaram modernas técnicas de marketing.

Essa evolução não terminou: aponta para ainda mais aperfeiçoar e facilitar os instrumentos jurídicos da transmissão dos imóveis e da circulação do crédito imobiliário.

A Lei 9514, de 1997 constitui marco relevante dessa evolução, dirigindo-a para adoção do regime fiduciário e a mobilização do crédito imobiliário. Organizou o Sistema de Financiamento Imobiliário, integrado ao Sistema Financeiro Nacional, sob a égide do Conselho Monetário Nacional, reunindo as entidades dedicadas ao financiamento das operações imobiliárias. Criou e disciplinou novas ferramentas financeiras, tais como a securitização de créditos imobiliários, os fundos de investimento imobiliário e um novo título de crédito especializado – o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI). Dentre as inovações da Lei 9514/97, destaca-se a alienação fiduciária de coisa imóvel, negócio jurídico inovador, que ainda maior agilidade propicia à recuperação dos créditos imobiliários.

Na base dessa estupenda evolução, está o contrato de promessa de compra e venda de imóvel sem cláusula de arrependimento, propiciador do direito real à aquisição do imóvel e do procedimento sumário de adjudicação compulsória, criação do Decreto-Lei 58, de 1937.

O autor agradece a colaboração da advogada Juliana Zielinski, que muito contribuiu com suas pesquisas agudas e inteligentes.

[1] Não cabe discussão sobre a qualificação de contrato preliminar do contrato de promessa de compra e venda de imóvel, até porque o artigo 1418 do Código Civil a ele se refere como “instrumento preliminar”. Sobre o conceito de contrato preliminar, reportamo-nos ao ensaio de nossa autoria intitulado Contrato Preliminar, publicado na obra coletiva O Direito e o Tempo Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lira, coordenada por Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin, ed. Renovar, Rio, 2008, p. 313.

[2] A forma escrita é necessária para a efetivação do registro no Cartório de Registro de Imóveis, que constitui o direito real (artigo 1227 do Código Civil); a inexistência de pacto de arrependimento é condição para que, no caso de inadimplência, se produza uma sentença com os mesmos efeitos do título definitivo (vide arts. 463, 1418 in fine do Código Civil e 466-B do Código de Processo Civil).

[3] Notar que, como qualquer outro contrato preliminar, se contiver cláusula de arrependimento, a parte inocente não terá direito de exigir o cumprimento do contrato (art. 463 do Código Civil). Entretanto, se a cláusula de arrependimento beneficiar exclusivamente uma das partes, esta poderá exigir da outra o cumprimento do contrato.

[4] Não constitui objeto deste ensaio a promessa de compra e venda de imóvel loteado, regida pela Lei 7.666/79

[5] Se o contrato preliminar não é levado ao registro competente, como prevê o parágrafo único do artigo 463 do Código Civil, não produz efeitos em relação a terceiros, mas vincula as partes. Segundo a melhor doutrina, o parágrafo único do artigo 463 não condiciona a eficácia entre as partes do contrato preliminar ao registro.

[6] O mesmo acontece mutatis mutandis na hipótese de inadimplência do promitente comprador, seja ele ou não titular do direito real de aquisição . Neste caso, o promitente vendedor poderá obter que, uma vez quitado o preço, a sentença produza o efeito do artigo 466-B, suprindo a manifestação de vontade do promitente comprador para a formação do título definitivo.

[7] Interessante notar que o artigo 22 do Decreto-lei 58 com a redação da Lei 6.014 faz referência não apenas ao artigo 16 do decreto-lei, como também aos artigos 640 e 641 do Código de Processo Civil. Estes dois últimos dispositivos correspondem respectivamente aos artigos 466-C e 466-A, na reforma promovida pela Lei 11.232, de 2005, que atribuem o efeito substitutivo às condenações relativas a obrigação de contratar e manifestar vontade.

[8] Não procede o estranhamento de alguns pelo fato de o artigo 1418 só admitir a adjudicação compulsória aos promitente comprador titular do direito real de aquisição. O requisito se justifica pelo fato de a adjudicação compulsória resultar de um procedimento sumário, sendo imprudente disponibilizá-la àquele cujo contrato não passou pelo crivo do Registro de Imóveis. A jurisprudência, que preconiza a adjudicação compulsória em favor do promitente comprador não dotado de direito real, é anterior ao início da vigência do Código Civil de 2002.

[9] A lei uruguaia n° 8.733, de 1931, na qual Waldemar Ferreira se inspirou ao elaborar o projeto que resultou no Decreto-Lei 58, atribuiu à promessa de compra e venda de imóvel registrada o efeito de constituir um direito real à aquisição da coisa. O artigo 22 do Decreto-Lei teve sua redação alterada pela Lei n°6.014/73.

[10] O direito do promitente comprador à aquisição do imóvel “aproxima-se de um direito real sobre coisa alheia, porém não é de gozo, pois a fruição do promissário constitui um dado acidental, dependendo da transferência da posse”.Araken de Assis, Comentários ao Código Civil Brasileiro – Do Direito das Obrigações. Coord. Arruda Alvim e Thereza Alvim, Forense, Rio, v. 5, p. 458

[11] Vide a esse propósito o Enunciado 77 do CEJ

[12] Nas incorporações imobiliárias, promessas de compra e venda de unidades condominiais são contratadas, mantendo-se a posse com o incorporador ou o construtor até a entrega das chaves, sem prejuízo de os promitentes compradores adquirirem direito real à aquisição do imóvel prometido.

[13] O Decreto-Lei 58 resulta da conversão de um projeto de lei apresentado por Waldemar Ferreira ao Congresso, antes de ser fechado pelo golpe de 1937. Os considerandos que o precedem demonstram preocupação em preservar a função social da propriedade, abrindo caminho nesse sentido no Direito Brasileiro. A Lei 6014 de 1973 estendeu a disciplina inaugurada pelo Decreto-Lei n° 58 às promessas de compra e venda de imóveis loteados ou não.